Fonte: CENPEC - https://desigualdadeseducacionais.cenpec.org.br/desigualdades-educacionais.php?campaign=20084560521&content={ads}&keyword=dados%20sobre%20educa%C3%A7%C3%A3o&gclid=EAIaIQobChMIg9XRgP-ogAMVzmtMCh289Q-hEAAYAiAAEgJItfD_BwE
Por muito tempo a escola foi considerada a instituição social que seria capaz de minimizar as diferenças de origem e aumentar a igualdade de oportunidades para as pessoas. De fato, é esta a função social da escola em uma sociedade democrática e justa.O direito à educação, tal como definido pela Constituição Federal de 1988 e por outros instrumentos legais, como a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – LDB (Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996), busca assegurar que todas e todos tenham oportunidades de acessar as instituições escolares e que encontrem nelas as condições propícias para concluir suas etapas, na idade certa, com níveis satisfatórios de aprendizagem para que possam exercer plenamente sua cidadania, ter cotidianos saudáveis e se inserir no mundo do trabalho.
A educação é direito fundamental e ao mesmo tempo um dos pilares para o desenvolvimento das pessoas, do ponto de vista social, cultural, político e econômico.Estudo1 realizado por pesquisadores da Universidade de Stanford mostra que grande parte da diferença entre as taxas de crescimento econômico de longo prazo dos países pode ser explicada por diferenças na qualidade da educação oferecida à sua população e que não há prosperidade duradoura de uma sociedade sem a oferta de uma educação de qualidade.No entanto, na realidade brasileira, constata-se que ainda há muitos e complexos desafios para que a escola garanta que as estudantes e os estudantes possam aprender, se desenvolver para fazer frente ao seu projeto de vida e contribuir com a sociedade de forma responsável e solidária.
Isso quer dizer que nem toda criança, adolescente, jovem ou adulto tem as mesmas oportunidades de acessar a escola, permanecer nela para aprender e se desenvolver como assegurado constitucionalmente.As desigualdades educacionais, assim como as demais, também têm marcadores socioeconômicos, de cor/raça, de gênero e de território, como registrado no Painel das Desigualdades disponibilizado pelo Cenpec. Assim, os que conseguem vencer a barreira do acesso, sofrem com a reprovação, a distorção idade série e com o fato de não ter garantido o direito de aprender e se desenvolver, o que leva à evasão e ao abandono.
O acesso à educação teve grandes avanços nos últimos anos, no entanto, ainda tínhamos, em 2019, quase 1,1 milhão de crianças e adolescentes em idade escolar obrigatória fora da escola, segundo dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad). São as crianças e adolescentes pretas, pardas e indígenas as mais atingidas pela exclusão escolar. Juntas, elas somam mais de 70% entre aquelas que estavam fora da escola2.A partir da ampliação da oportunidade de ingresso na escola para diferentes estratos sociais, questões que sempre estiveram presentes ganharam maior destaque: a reprovação, a distorção idade-série e a aprendizagem na idade certa, incluindo a alfabetização. Da mesma forma que o acesso, estes fenômenos que são também formas de exclusão da escola têm nível socioeconômico, raça/cor, gênero e origem geográfica.
Não existe lei ou portaria, nacional ou subnacional, sobre os critérios para reprovação que definem se a estudante ou o estudante, ao final do ano letivo, irá cursar o ano ou a série seguinte ou se ficará retida(o), refazendo o mesmo percurso. A exceção está em todo o período da educação infantil (LDB 9394/1996) e, em algumas redes de ensino, nos anos de alfabetização.Muitas vezes a reprovação é entendida como uma forma de coerção para que a(o) estudante se dedique mais aos estudos, outras como a oferta de maiores possibilidades de aprendizagem pela mais extensa exposição da(o) estudante aos conteúdos escolares.Embora inúmeros estudos revelem a ineficácia e a ineficiência da reprovação como medida pedagógica, esse mecanismo persiste e, além de incidir negativamente sobre a autoestima das pessoas, produz altos custos financeiros para as redes de ensino.O Censo Escolar de 2020, registra uma expressiva queda nas reprovações, como se verifica no Painel das Desigualdades. No entanto, é preciso considerar que a pandemia da covid 19 impediu as atividades presenciais e estados e municípios seguiram as recomendações do Conselho Nacional de Educação evitando as reprovações (Parecer nº 11, de 07 de julho de 2020).Destaca-se que, seguindo a série histórica da reprovação escolar no Brasil, em 2019 havia mais de 2 milhões de estudantes reprovadas(os), o que corresponde a quase 8% do total de matriculadas(os). A situação se agrava quando se trata das populações residentes em áreas de assentamentos, de quilombos ou terras indígenas. Estudantes vivendo nesses territórios reprovaram, em 2019, acima da média nacional, como apontou estudo Enfrentamento da Cultura do Fracasso Escolar, realizado por Cenpec/ Unicef em 20213.
A distorção idade-série expressa o resultado das muitas reprovações, de abandonos escolares e de novas tentativas de permanência e sucesso, num ciclo que se retroalimenta. Nessa situação encontram-se as(os) estudantes que estão pelo menos dois anos acima da idade considerada ideal em relação ao ano ou série escolar. Em 2020, eram quase 6 milhões dentre as(os) matriculadas(os).Essa barreira educacional está associada, também, às desigualdades de cor/raça, de gênero e de deficiência, acompanhando os indicadores de reprovação e abandono. São indígenas as(os) estudantes que mais sofrem com a distorção idade-série, seguidas(os) por pretas(os) e pardas(os), como se verifica no Painel das Desigualdades.
As sucessivas reprovações, a distorção idade-série, assim como a progressão sem a garantia de aprendizado escolar esperado são fatores de abandono e de evasão4.Assim como ocorre nas situações de reprovação e distorção idade série, o abandono escolar também incide mais sobre determinados grupos sociais ou sobre estudantes com características específicas. Crianças e adolescentes indígenas são as que mais deixaram a escola em 2020. Além disso, são mais meninos do que meninas.As taxas de abandono escolar também apresentaram quedas expressivas em 2020, primeiro ano da pandemia da covid 19, como registrado no Painel das Desigualdades. É possível que essa redução seja resultado do prolongamento do ano letivo, ocorrido em alguns estados e municípios, visando acolher as diferentes condições de acesso ao ensino remoto de estudantes e suas famílias.
Características pessoais, como gênero, raça e deficiência, marcam as desigualdades educacionais e, nesses casos, também são preditoras do fracasso escolar. Tem-se, no Brasil, uma cultura do fracasso escolar que naturaliza os fenômenos de reprovação, distorção idade-série e abandono.Como afirmado na pesquisa Enfrentamento da Cultura do Fracasso Escolar, Cenpec/Unicef: “o enfrentamento da cultura do fracasso escolar, pela eliminação das reprovações, da distorção idade-série e do abandono, é responsabilidade de gestoras(es) em todas as instâncias do sistema educacional e de docentes nas escolas. Essa eliminação, no entanto, não pode ser um ato burocrático, mas resultado de debates e convencimento, pela compreensão de que o fracasso escolar é um mecanismo contra a educação, contra o sistema educacional, contra as(os) profissionais da educação, contra as(os) estudantes e, por fim, contra a sociedade”.O racismo é um fenômeno tão forte e tão entranhado na sociedade brasileira que muitas vezes não é reconhecido como tal. Crianças e adolescentes negras, indígenas ou imigrantes sofrem com apelidos, comentários cruéis ou exclusões (na composição de grupos de trabalho ou na formação de times, por exemplo). Quando essas situações chegam aos adultos, são muitas vezes compreendidas e tratadas como “brincadeiras” ou como “conflitos pessoais” e não são debatidas no coletivo. Assim, uma discriminação que é histórica vai se perpetuando.O combate ao racismo, na maioria das vezes, também não se dá no currículo escolar. Reconhece-se a importância das Leis 10.639/20035 e 11.645/20086 como marcos para a instalação do debate nas escolas, mas reconhece-se também o seu pequeno alcance, uma vez que o trabalho que se espera que ocorra escolas não é apenas o de incluir “o estudo da história e cultura afro-brasileira e indígena” em seus currículos, mas o combate coletivo e cotidiano às discriminações.Essas discriminações também repercutem nos resultados escolares das crianças e adolescentes negras, indígenas e imigrantes: são elas as mais reprovadas, as que se encontram em maior número na situação de distorção idade-série e as que mais abandonam a escola.